terça-feira, 12 de abril de 2011

IDENTIDADE E LINGUA

A minha lingua é qual?



Se há matérias que despertam a minnha atenção, as ligadas à cultura e à lingua, de qualquer país que seja, são preponderantes. E, quando se trata da lingua portuguêsa, esse meu interesse aumenta.



Num recente artigo intitulado “A minha Pátria é onde?” publicado no Luso Jornal du 20.01.2010, o seu autor, senhor Padre Nuno Aurélio, resume a problemática das migrações e consequentes déficites linguísticos ligada aos países de origem.


Tratando-se de um eclesiástico não é de admirar que o texto publicado faça referência a factos históricos e nomeadamente bíblicos. Tais citações têm sobretudo haver com o êxodo dos povos em busca de melhores condições de existência, a que se chama hoje “migrações”. Uns por motivos politicos, outros por razões económicas, outros ainda por razões de liberdade de culto, como muito bem disse o Padre Aurélio.


Quando milhares de cidadãos se expatriam isso pode ser sinónimo de que o seu país é incapaz de os reter e de lhes dar condições dignas de existência. Todavia, quantos mais “abandonam” o seu país mais este enfraquece. Curiosamente, em Portugal, dizia-se o contrário, convencidos de que a emigração era um trunfo importante. Mesmo se montanhas de dinheiro afluíam, o país não pogredia. Hoje, ainda, verifica-se que o êxodo dos portuguêses em pouco ou nada contribuiu para o desenvolvimento socio-económico de Portugal o qual só começou a partir da data de adesão à União Europeia.


As sociedades bem estruturadas e capazes de se autodesenvolverem, tanto culturalmente que económicamente, não emigram, ou então diplômados e em número reduzido.


40 anos depois da grande vaga de emigração dos portuguêses – a França chegou a contar com 1 milhão – a lingua portuguêsa continua a ser um problema polémico.


Embora os portuguêses de França continuem maioritáriamente ligados a Portugal, a lingua materna é cada vez menos falada ! Não é por falta de defensores pois é um problema que regularmente faz as páginas dos jornais. As razões são multiplas e ás quais nunca ninguém soube responder concretamente.


Denunciar a perda da lingua não chega, cito alguns parágrafos do texto atraz referenciado:


Os mais novos cada vez mais falam menos o português: porque é mais fácil falar em francês, porque os pais não o falam com eles, porque têm vergonha de não o falar muito bem”


Lutar pela sua “sobrevivência” sem alternativa também não chega, como diz esta outra citação:


“Até procuram, se possível, inscrever os filhos na catequese em português por causa da língua. Tenho testemunhado isto”


No fundo parece-me que o mal é mais profundo que os remédios para o combater. Faço a seguir duas reflexões :


1ª – Se os mais novos evitam de falar o português, e até de o aprender, a resposta a esta questão é simples:


- Qual é o interesse deles em falar português? (quando digo falar, não é a lingua que fala a maioria dos pais, os quais, infelizmente, a não dominam correctamente). E não há nada pior que mal ensinar.


- Quem, atravéz de exemplos concretos, lhes mostrou que falar português é uma mais valia?


2ª – Como querem que as novas gerações se interessem verdadeiramente pela lingua portuguêsa se a maioria a não fála. Mesmo onde ela é ensinada, aqueles a quem essa missão é confiada a esquecem rápidamente, pois desde que se encontram fora do local de ensino, imediatamente falam em francêz com os miúdos!!. E no que toca ao ensino do português através de associações, julgam que esse ensino é atraente? A escola deve ser um local agradável onde a aprendizagem do saber se faz através de pedagogia participativa. Pelas responsabilidades que outrora foram minhas, verifiquei que assim não acontecia e suponho que o mesmo se passe ainda hoje . Defenderão eles (as), dignamente, a lingua portuguêsa? Ao lêr o que diz o Senhor Padre Aurélio, fico com a intima convicção que tudo está como dantes ou pior ainda. Nestas circunstâncias, que os pais, nomeadamente aqueles que não tiveram acesso a uma aprendizagem longa e de qualidade, estejam na incapacidade de “alimentar” em lingua portuguêsa os seus próprios filhos, que vá, mas, que aqueles que estão em capacidade de o fazer, o façam com mediocridade, isso é menos tolerável.


Só com uma pedagogia participativa e adaptada se pode obter uma boa adesão por parte dos alunos e assim obtenham raízes linguítiscas profundas e duradouras. Nesta matéria é preciso dar ao ensino da lingua portuguêsa, as suas “letras nobres”, através de uma pedagogia que a faça saír das catacumbas, uma lingua morta aos olhos da nossa juventude.


Porque observei a ausência dessa pedagogia, nunca permiti ao meu filho, que chegou a este país com um pouco mais de 2 anos, de frequentar qualquer ensino de português. Não impede que sempre falou a lingua materna e a escreve, e foi a 3ª lingua escolhida para o seu exame do bacharelato, tendo obtido uma excelente nota de 19/20. O mesmo espero acontecerá com os meus 2 netos, 2 gémeos que o meu filho e sua esposa, esta francêza, tiveram durante uma estadia de um pouco mais de 4 anos em Portugal, por obrigações profissionais. Regressaram a França, tinham os bébés 8 mêses, sem terem tido tempo suficiente de se impregnarem no quotidiano português e da lingua que todos praticam nas ruas. Mas, desde que começaram a dizer as primeiras palavras, foi também em português que o fizeram, aliás, a própria mãe, que também aprendeu a lingua portuguêsa, pediu para que eles beneficiassem do meu bilinguismo. Porque no fundo ela compreendeu que falar Português é uma mais valia. Hoje, com um pouco mais de 2 anos, os meus netos já repetem várias frases e até são capazes de dizer algumas palavras ao telefone com não importa quem da familia em Portugal. E até dançam o folclore, prática que me é quase desconhecida !


Para finalizar faço uma última citação do texto do Senhor Padre Aurélio, que diz, em substância:


...“a minha Pátria é a língua portuguesa”, como escreveu Fernando Pessoa, o grande escritor do século XX. Falemos o português uns com os outros, com as crianças e jovens, enriquecendo- nos com a nossa língua, longe de estar morta: é uma língua de futuro,é uma outra Pátria para nós, neste vasto Mundo feito de tantos mundos…”


Sem dúvida que aquele senhor tem razão, mas para que falemos uns com os outros no sentido de nos enriquecer-mos mutualmente é preciso que haja uma real vontade e sobretudo uma boa comunicação, pois se houver “bons emissores” também haverá “bons receptores”.


Um desses “emissores”, importantes, são os livros em lingua portuguêsa aos quais muitos dos jóvens descendentes deveriam ter acesso, através de bibliotecas atractivas para serem frequentadas, e, tanto que possível, com um (a) documentalista em capacidade de propor tal ou tal obra, que seja em função do que os interessados procuram ou que responda às suas reais motivações. Existem bons autores e bons livros accessíveis a todos os níveis e a todos os gostos....



Anfrasire


Ex-formador-conselheiro de formação








Por fim deixo aqui uma passagem de um livro do excelente escritor AQUILINO RIBEIRO, obra de literatura de uma linda e rica lingua portuguêsa:



“Manadas de vacas, de úberos retesos, mugindo amaviosas quando mamãs recentes, de galhaduras em lira, mais esbeltas que duas estrofes de Diogo Bernardes, vizinho das terras do Lima, davam amenidade bíblica ao verde anojadiço das veigas. As ovelhas baliam nos rossios, e era patusco ver os poldros novos despedir em carreiras vertiginosas pelos cerros e estacar como o cavalo de Fuas Roupinho nas arribas da Nazaré.


No inverno abigravam-se na propriedade as aves indígenas, rudes mas pouco aventureiras, como o gaio, o melro e o picanço. Certos bichos do monte, entre os quais a raposa, a fuinha, e o gato bravo, elegiam também a mata velha para sede das suas tocas e madrigueiras. De coelhos, os tojais eram um prodigioso inçadoiro. Sol posto, investiam através das regadas de sanfeno até à horta, à beira mesmo da casa. Primeiro que ninguém haviam eles de provar a couve troncha e a folha da luzerna adstringente. Mas o abegão conhecia todo o género de armadilhas, desde o laço de arame corredio aos ferros de serrilhas que se armam nos tourais, onde eles vêm fazer suas necessidades depois da sua hora de amor e de comezaina, e não lhes perdoava........”




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